Estoril Political Forum

Discurso no Estoril Political Forum

Almirante Nuno Vieira Matias, Directora Executiva Anne Taylor – muito obrigado a ambos! Agradeço o amável convite para discursar no almoçoGeorge Washington Memorial.

Faz todo o sentido que o almoço de hoje tenha levado o nome do nosso primeiro Presidente, um general americano que liderou a revolução do meu país. Faz todo o sentido porque a nossa revolução também marca o início da histórica aliança entre os povos dos Estados Unidos e de Portugal.

Pedro Francisco, um jovem de 16 anos natural dos Açores, juntou-se à luta pela liberdade do exército de George Washington. Quando chegou à América não falava nada de inglês e nós, como americanos, a primeira coisa que fizemos, claro, foi americanizar o seu nome – mudámo-lo de Pedro para Peter. Foi um soldado destemido, um herói de inúmeras batalhas, diversas vezes ferido e os seus feitos de bravura tornaram-se lendários. A sua alcunha era o Hércules da Virginia.

Há um relato que diz que, depois da batalha de Camden, na Carolina do Sul, Francisco viu outros americanos a abandonar um dos seus melhores canhões atolado na lama. Diz a lenda que só com uma mão ele desenterrou o canhão de 500 kg e levou-o ao ombro impedindo assim que caísse em mãos inimigas. Este feito foi comemorado com a emissão de um selo aquando da celebração do bicentenário da revolução. Embora esta história seja apócrifa, os seus contributos como patriota americano não o são e foram levantados monumentos em sua memória na Virgínia, New Jersey e Massachusetts.

Para a semana vamos celebrar o 238º aniversário da nossa revolução. E este ano celebrámos o 40º aniversário da revolução pacífica e sem derramamento de sangue em Portugal e da transição do país para uma democracia liberal e pluralista. Pensem na frase “pacífica e sem derramamento de sangue”. E vejam só o quão extraordinário isso é no mundo moderno quando comparamos com a Líbia, Egipto, Síria, Iraque, Gana, Ruanda ou Uganda. Em Portugal um grupo de oficiais militares de média patente – os Capitães de Abril – conduziu o movimento que quebrou as grilhetas do autoritarismo e recebeu o apoio de toda uma população vergada por treze anos de guerra colonial que consumiu 40% do orçamento do país.

O país concordava que era necessária a mudança, mas não houve logo um consenso sobre a forma de governo que Portugal deveria adoptar a seguir ao Estado Novo. Não obstante as diferenças de ideologia política, PS, PPD e CDS formaram uma aliança durante este período de turbulência política. Esta aliança manteve-se e trabalhou de modo concertado durante os dois anos que se seguiram e foram conhecidos como “Processo Revolucionário em Curso”. Perceberam também que era mais importante o objectivo de um Portugal politicamente plural, liberal e democrático do que os partidos individualmente. Nem os líderes políticos nem o povo entraram em qualquer espiral de descontrolo. Foi formado um novo governo democrático que respondia à vontade do povo e não era apenas uma variante do regime anterior.

Desde que cheguei a Portugal vários portugueses me disseram “a nossa revolução não foi muito excitante”. Esse comentário é confuso. Na Revolução dos Cravos as pessoas puseram de lado a sua ânsia de poder individual, evitaram a violência como meio de atingir os objectivos, admitindo interesses opostos e trabalharam em conjunto para chegar ao objectivo comum da liberdade e democracia. Foi um feito extraordinário que deu ao mundo grandes lições. Digam-me um país que tenha ignorado essas lições – onde os pontos de vista contrários são excluídos do processo, os inimigos castigados e se gera um ambiente de violência e eu dou-vos o nome de um país em crise e um líder falhado como o Presidente Morsi do Egipto ou o Primeiro Ministro Maliki do Iraque. Mas as lições da Revolução dos Cravos vão para além da governação interna. São o paradigma das relações internacionais no mundo de hoje. Quando eu era miúdo era fácil estabelecer linhas de divisão. Os E.U.A. tinham amigos e tinham inimigos. A democracia era boa e o comunismo era mau. Havia duas superpotências, os Estados Unidos e a União Soviética, cada um representando um lado do espectro ideológico. E o maior receio era a ameaça de uma guerra nuclear entre esses dois países que era mantida em cheque pela existência de capacidade de primeiro ataque e segundo ataque – noção segundo a qual se eles lançassem mísseis, antes de sermos atingidos e destruídos, podíamos lançar o nosso segundo ataque e destruí-los também. Portanto, como afirmou um cientista político, a paz era mantida à custa de um “delicado equilíbrio de terror”.

Este era o tempo pré-TV a cores e o mundo já não é a preto e branco. O terror não se refere a uma superpotência com arma nuclear. Aliás isso está muito cá em baixo na escala da ameaça. As ameaças hoje em dia tomam a forma de grupos de jihadistas num acampamento das montanhas do Afeganistão conspirando para usar um avião de passageiros como míssil; são os extremistas treinados na Síria que regressam como terroristas a países da Europa Ocidental. São as figuras de estado que acham que causar a morte e destruição são um apelo divino. O Presidente Clinton diz que o mundo em que vivemos é “interdependente”. Isto quer simplesmente dizer que não nos podemos evitar uns aos outros. Nem podemos evitar a exposição a estas ameaças. O mundo hoje é complexo e as coisas acontecem à velocidade da luz, alimentadas pelos media e um ciclo noticioso de 24 horas. Só este ano, tivemos crises na Síria, Irão, Ucrânia e agora Iraque. País nenhum consegue responder a todos os desafios que enfrentamos só a nível mundial. Costumavam chamar aos E.U.A. “o polícia do mundo” e ainda há quem ache que podemos e devemos sê-lo. Mas essa noção não podia estar mais longe da realidade. Os países têm de ser dependentes uns dos outros e responsáveis uns perante os outros – por uma questão de prosperidade económica e segurança nacional. O desafio, segundo o Presidente Clinton, está em “criar um clima de confiança bastante e a coordenação suficiente para que possamos dedicar a atenção necessária ao que temos em comum”. Isso quer dizer não só que temos de agir em conjunto com os nossos amigos mas, por vezes, com os países aliados numa causa particular mesmo que não sejam amigos. E mesmo em conjunto com os nossos amigos temos de dar prioridade ao bem comum sobre as necessidades individuais.

A Europa e os EUA estão a enfrentar juntos este desafio na Ucrânia. O flagrante desrespeito do Presidente Putin pelo Direito internacional violando a integridade territorial da Ucrânia ao anexar a Crimeia e tentando desestabilizar o Leste da Ucrânia é não só uma ameaça à Europa mas a todos os países democráticos do mundo. Na retórica das reacções alguns queriam que os EUA traçassem “uma linha vermelha” e preparassem uma resposta militar. Em vez disso, EUA e Europa têm trabalhado em conjunto – e de forma eficaz, em minha opinião – para resolver a crise através da aplicação de um plano de sanções em escalada e o isolamento político como a suspensão da Rússia do G-8. Essa forma pune economicamente Putin e diminui a sua estatura de líder mundial, algo que ele anseia.

O facto de os EUA e a UE serem capazes de trabalhar em consonância são o exemplo perfeito do emprego das lições da Revolução dos Cravos. Os interesses dos 28 países da EU e dos EUA eram muito diferentes.

Dentro da UE, por exemplo, há países que dependem da Rússia em 85% das suas necessidades de gás natural. Há outros, como Portugal, que não têm dependência. Há países com fronteiras comuns ou que se estão ao alcance do ataque das tropas russas e receiam o efeito dominó caso as acções da Rússia continuem sem controlo. Outros, mais afastados das fronteiras russas, olham para a acção de Putin como algo que diz unicamente respeito à Ucrânia. Os interesses económicos vão para além da energia porque a Europa é o primeiro parceiro comercial da Rússia ao passo que os Estados Unidos vêm em 29º lugar. Quando se colocou a questão das sanções económicas, houve fortes divergências quanto a apoiar essas sanções – alguns achavam que as medidas deviam ser mais imediatas e mais fortes enquanto que para outros eram demasiado fortes. Houve quem receasse que as sanções levassem a uma retaliação económica por parte da Rússia, como fechar as fontes de energia o que mergulharia os seus próprios países numa profunda crise. Para outros as sanções por si só, sem envolvimento militar, não teriam o efeito dissuasor desejado.

Mas, por fim, houve a necessária confiança e coordenação entre os países envolvidos para estabelecer um objectivo comum. E apesar de algumas críticas dos media americanos dizendo haver falta de liderança por parte dos EUA, o Presidente Obama achou que devia agir em consonância com os seus aliados europeus e não se podia distanciar muito da Europa em assuntos como sanções ou corria o risco de a coligação se desfazer. A força e o impacto da resposta ao Presidente Putin vieram do próprio facto de ser uma decisão colectiva. EU e EUA agiram em uniformidade.

Também não podemos deixar de pesar as consequências se tivéssemos falhado. E essas consequências iriam repercutir-se não apenas a nível das acções da Rússia mas no mundo todo. Aqueles que não partilham os valores ocidentais ou procuram um maior poder global, veriam um Ocidente fraco e vulnerável a pôr em risco a sua segurança económica e nacional.

A unidade e capacidade de resolução do ocidente não se demonstra apenas nas crises internacionais mas também nos acordos diplomáticos e comerciais – nomeadamente o Transtlantic Trade and Investment Partnership – T-TIP O TTIP, que está actualmente em fase de negociação, é um acordo comercial que visa abrir os mercados de bens entre os EUA e a UE. Gostaria de referir que Portugal será um dos principais beneficiários deste acordo na medida em que ele será vantajoso para as pequenas e médias empresas que constituem a maioria do tecido empresarial português. Também aqui há, entre os 28 países-membros da UE e os EUA, algumas questões que terão de ser resolvidas ou o acordo cairá por terra. Mas não faz sentido pensar que a falta de acordo só levará à perda de oportunidades económicas entre a UE e os EUA. Países como os do Extremo Oriente iriam encarar isso como falhanço de estratégia e sinal de fraqueza do poder económico do Ocidente.

Iniciei esta conversa sobre interdependência dizendo que o mundo é um sítio complicado. E é. A nossa interdependência significa que as nossas relações são complexas e os que são nossos inimigos num cenário tornam-se nossos aliados num cenário diferente. Não poderíamos ter melhor exemplo disso quando, ao mesmo tempo que excluímos o Presidente Putin do G-8, ele é convidado para participar com os Aliados Ocidentais na Normandia devido à histórica aliança da Rússia no combate a Hitler e ao nazismo. Portanto não é um isolamento total. Porquê? Por que em minha opinião há lugares no mundo onde precisamos dele e da Rússia. Neste momento, nós e ele temos interesses comuns apesar de nos opormos a ele na Ucrânia. Ele teve um importante papel ao evitar a intervenção militar na Síria contribuindo para o acordo com o Presidente Assad de entregar as armas químicas. Em consequência disso, uma organização russa nomeou-o para o Nobel da Paz de 2014, embora me queira parecer que as suas acções na Ucrânia diminuíram as perspectivas. De qualquer forma, o facto é que a Rússia exerce uma enorme influência sobre a Síria e o Presidente Putin é um elemento importante se quisermos encontrar uma solução para a crise síria.

A Rússia também é membro do chamado P5+1, os seis países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha, que está a trabalhar para chegar a um acordo com o Irão sobre armas nucleares. Embora seja cedo para se prever o resultado das conversações a um mês do fim do prazo, os jornais de Teerão e EUA relatam progressos nas negociações. E a Rússia é importante para que esse avanço continue.

E falando do Irão, no passado os EUA designaram esse país como patrocinador do terrorismo e força de desestabilizadora do Médio Oriente. Sabemos que apoiaram e treinaram grupos extremistas que mataram centenas de soldados americanos. Mesmo assim talvez as negociações do P5+1 sobre armas nucleares abram a porta a um compromisso com o Irão quanto à crise no Iraque. Os dois países têm interesse em evitar que os extremistas ISIS ganhem posição no Médio Oriente. ISIS é uma séria ameaça para o Irão. Neste momento não há fronteira entre o Iraque e a Síria e, como diz um editorial do LA Times, não há uma efectiva solução para o Iraque se não se impedir o ISIS de usar a Síria como santuário e base de recrutamento. Para tal é necessário falar com os vizinhos do Iraque e isso inclui o Irão. Como o Secretário de Estado Kerry afirmou numa entrevista, os EUA querem falar com o Irão e não descartam uma cooperação militar EUA/Irão para se opor ao ISIS e repor a estabilidade no Iraque.

Este mundo interdependente está em evolução e vai continuar. Os interesses mudam, as alianças alteram-se e as necessidades também. Os riscos são elevados e as consequências dos nossos actos ou do falhanço dos nossos actos podem ser sérias. A revolução portuguesa lembra-nos que nunca devemos deixar de nos esforçarmos por criar confiança, pôr de lado ambições pessoais, identificar objectivos comuns e construir novas alianças em prol de uma coexistência internacional segura.

Muito obrigado a todos. Muito agradecido por esta de oportunidade.