Muito obrigado, Pedro, pelas suas amáveis palavras. O meu sentido apreço também a esta plateia que não se deixou atemorizar pelo Inverno de Lisboa e compareceu num evento desta importância. Se bem que, sendo eu de Boston, posso afirmar que qualquer Inverno onde ainda se pode jogar golfe não é propriamente Inverno!
Um agradecimento muito especial à Presidência da República por patrocinar este evento único. Especificamente ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa por lançar a ideia e ao Embaixador José Augusto Duarte e Isabel Pestana por nos ajudarem a organizá-lo. O meu reconhecimento também à Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento (FLAD) por ser nosso parceiro.
E ao nosso anfitrião, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. O Instituto continua a dar um importante contributo para o diálogo nacional e internacional sobre questões de segurança e contamos com esse contributo na defesa dos interesses da comunidade transatlântica.
É a segunda vez que me é dada a honra de aqui falar. A primeira vez foi em Dezembro, para falar da NATO, numa das aulas abertas do Professor Heitor Romana. Apercebi-me na altura que o Instituto reúne não só grandes pensadores estratégicos, mas também indivíduos que não hesitam em afrontar presunções e fazer perguntas difíceis. Não espero outra coisa hoje.
Se me permitem, vou começar a minha intervenção admitindo que há um elefante na sala – o assunto que não temos como evitar. Isso seria, claro, o aumento do populismo na costa ocidental E oriental do Atlântico.
Primeiro foi o Brexit. Depois foram as eleições presidenciais norte-americanas de 8 de Novembro e no passado fim-de-semana o referendo em Itália. E agora ficamos a aguardar para ver se esta onda de contestação vai envolver as próximas eleições europeias, particularmente em França e na Alemanha.
Entre os pensadores estratégicos transatlantistas tem-se notado um receio sobre o que põe em causa a estabilidade de compromissos de longa duração: O compromisso dos Estados Unidos com a defesa da Europa à medida que surgem ameaças a oriente e a sul; o compromisso dos países europeus com o Projecto Europeu e a UE debaixo duma constante investida nacionalista; e o compromisso da comunidade transatlântica em ajudar os mais vulneráveis do mundo – os seus milhões de refugiados – que apenas anseiam por segurança e uma vida melhor para eles e para os seus filhos, como fizeram os meus pais quando fugiram da Rússia para os Estados Unidos no século passado.
É por essa a razão que aqui estamos hoje: para fazer as perguntas difíceis; para analisar a dinâmica de um mundo em mudança e para analisar a durabilidade dos nossos compromissos mútuos.
Uma questão nestes tempos de incerteza é quais serão as vozes fortes a favor de uma Europa unida?
Permitam-me que sugira que o homem com quem tenho a honra de partilhar hoje o palco, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, seja precisamente uma dessas vozes. O Presidente tem um espírito analítico brilhante, é um profundo pensador estratégico e é dono do talento político e de comunicação para granjear o apoio de que esta mensagem precisa.
Um exemplo concreto. Em Abril fui a Bruxelas para reuniões na NATO e na União Europeia. Esta viagem teve lugar pouco depois dos terríveis ataques no aeroporto de Bruxelas e numa estação de metro próxima que provocaram 30 mortos e 300 feridos. A Europa estava no limite. Líderes europeus reclamavam muros para impedir a entrada do outro, fosse essa pessoa um potencial terrorista, refugiado ou meramente um migrante económico. Era a reacção previsível face ao terror e não muito diferente daquilo que tivemos nos Estados Unidos.
Trezentas milhas a sudeste, um recém-chegado à cena política europeia passava uma mensagem diferente. Mensagem de esperança e não de medo… de pontes e não de muros.
O recentemente eleito Presidente Marcelo Rebelo de Sousa discursou perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, no dia 13 de Abril. A sua intervenção foi impressionante, lembrando a história de Portugal ao vencer as crises através do sacrifício pessoal e nacional, destacando a necessidade de tolerância e estabilidade política em toda a Europa e instando os países a abrirem os seus corações, os seus bolsos e os seus bairros à então crescente vaga de refugiados. A resposta ao discurso do Presidente depressa chegou aos membros da Comissão e ao seu pessoal. As suas palavras tornaram-se o contra-argumento perfeito ao populismo gerador de medo e de confusão que na altura dominava o discurso político.
O Presidente lembrou aos parlamentares os valores defendidos pelos Europeus, e traçou uma visão de esperança para uma Europa forte e unida. Como forma de reconhecimento começaram a tratá-lo por “Marcelo Luther King”.
É a sua visão que aqui nos traz hoje. Num encontro de 60 minutos com o Presidente em Junho passado, ele deu-me literalmente uma aula de educação global – e ia provocando uma cãibra na pessoa que estava a tomar notas. O Presidente falou com conhecimento e de forma apaixonada sobre políticas, política e personalidades do Brasil a Beijing. Ele propôs esta conferência porque antecipava a necessidade de reexaminar as relações transatlânticas no pós- eleições americanas. E digo que, apesar da sua perspicácia, não tenho a certeza se na altura previu a vitória de Trump!
A ideia da conferência ganhou vida depois da viagem do Presidente a Nova Iorque, em Setembro, para a Assembleia Geral da ONU. A conferência não era apenas para celebrar as relações bilaterais EUA-Portugal, mas também para identificar os desafios e oportunidades transatlânticos no futuro.
Penso que uma maneira de contextualizar estas questões é pegar na tese contida num artigo escrito em Janeiro de 1957 – há sessenta anos. Nesse artigo, o então Senador John F. Kennedy preconizava as pressões transatlânticas ao escrever sobre o “tracção dupla” nas relações internacionais. Num dos lados da tracção, afirmava ele, está a necessidade de identidade política de um país; onde o nacionalismo é a busca de liberdade política, autodeterminação e autodesenvolvimento. No outro lado está a procura da unidade e da cooperação.
A “tarefa”, segundo Kennedy, está em “traçar um equilíbrio realista entre os legítimos apelos à autodeterminação nacional e a tracção gravitacional para a unidade que resulta da interdependência tecnológica e económica (e eu acrescentaria, de segurança) dos estados modernos.”
Vemos a resolução das tracções concorrentes na votação do Brexit no Reino Unido, no aumento do populismo de extrema-direita na Europa e nas recentes eleições nos EUA. Parece-me que a primeira tarefa dos nossos líderes – novos e velhos – deve ser o reconhecimento da necessidade de equilíbrio entre essas tracções num tempo em que as forças em competição nunca foram tão fortes.
Qualquer conversa dos novos líderes começa com a intensa especulação, tanto nos Estados Unidos como aqui na Europa, sobre o que vai ser a presidência de Donald Trump. Estamos em posse de alguns dados que não oferecem necessariamente consistência.
Em primeiro lugar, temos a retórica da campanha do Presidente eleito em comparação com declarações mais comedidas feitas durante o período de transição agora em curso. Podemos também considerar a composição do gabinete de Trump que vai possivelmente assentar muito no talento militar para questões de defesa e segurança nacional. Espero que o impacto das eventuais prioridades na política externa e política de segurança do Presidente eleito seja discutido com alguma profundidade pelos nossos painéis.
E falando de algo mais próximo, assistimos recentemente à eleição do antigo Primeiro Ministro António Guterres para o cargo de Secretário Geral da ONU. Como alguém que percebe alguma coisa sobre campanhas políticas, deixem-me que vos diga, colegas do governo português, a vossa foi do melhor que há pela forma como enalteceu as forças do Sr. Guterres sem deitar abaixo os outros concorrentes. É uma lição que deve ser replicada em qualquer lugar. Portugal é verdadeiramente afortunado por contar com outro estadista internacional entre as suas fileiras, para além do Presidente.
Mas como admite prontamente o novo Secretário-Geral, o trabalho das Nações Unidas – reduzir a miséria e o sofrimento no mundo – não pode resultar sem o profundo envolvimento dos Estados Unidos. Conseguirá ele o equilíbrio de forças para alcançar isso?
Muitos argumentam de modo persuasivo que a renovação do compromisso transatlântico tanto na Europa como nos Estados Unidos nunca foi mais premente do que agora dado que as ameaças que enfrentamos vêm de todas as direcções. Do Sul, somos assombrados com a ameaça do extremismo violento. O epicentro desta selvajaria esconde-se nas sombras da guerra civil da Síria que vai no quinto ano, um conflito de inimaginável tragédia que levou a que muitos dos seus habitantes fugissem para a Europa. Esta vaga de deslocados, a maior desde a Segunda Guerra Mundial, teve consequências no tecido político, económico e social do dia-a-dia na Europa.
Do Leste, o desafio vem essencialmente da agressão russa à Ucrânia, uma violação da soberania e integridade territorial duma nação democrática independente que pôs em perigo a visão da Europa como um todo, livre e em paz em que trabalhámos intensamente ao longo de décadas para fazer disso uma realidade.
Com tanta coisa em jogo, é absolutamente vital reafirmar a razão pela qual a NATO, a União Europeia e a ordem internacional que representam e a que dão forma têm consequências tão profundas na nossa segurança.
Embora os desafios enfrentados pela comunidade transatlântica sejam avassaladores, as oportunidades são ilimitadas. A economia mundial é comandada pela tecnologia, solo fértil para a colaboração transatlântica.
Portugal acolheu no mês passado o Web Summit, que registou um sucesso sem paralelo. É cada vez maior a reputação do país como centro de inovação e empreendedorismo e o Web Summit veio pô-lo no mapa. Foi fantástico ver uma presença tão forte de empresas americanas e 5000 participantes americanos representando mais de dez por cento do total.
A segurança energética constitui outra área em crescimento na parceria transatlântica. Na Primavera chegou ao Porto de Sines, 90 minutos a Sul de Lisboa, o primeiro carregamento de gás natural liquefeito dos EUA. Seja o gás consumido aqui ou transportado para outro lugar, trata-se de uma mercadoria transaccionável produzida e fornecida segundo as leis do mercado, o que torna o mercado menos susceptível a pressões políticas e torna a Europa mais segura.
Os oradores vindos dos Estados Unidos estão em boa posição para comentar sobre as actuais mudanças de liderança nos Estados Unidos e na Europa.
O Professor James Steinberg está cá hoje. Actualmente a leccionar na Maxwell School of Citizenship and Public Affairs da Syracuse University, Jim foi vice-conselheiro da Segurança Nacional durante a Administração Clinton e mais tarde vice-Secretário de Estado no primeiro mandato do Presidente Obama. Tal como eu, cresceu em Brockton, Mass – embora eu possa afirmar sem receio que me contradigam que sempre foi muito melhor aluno do que eu! Jim é um reconhecido especialista em assuntos asiáticos e nos seus artigos aborda não apenas as oportunidades que surgem numa região tão vibrante mas também as ameaças, como uma Coreia do Norte com capacidade nuclear e mais agressiva do que nunca.
Contamos também com a intervenção do Brigadeiro General Karsten Heckl que dirige actualmente a Strike Force NATO em Lisboa. A participação do General Heckl no painel Novos Líderes é particularmente oportuna dado que o seu companheiro nos Marines, o General James Mattis, com quem prestou serviço e conhece muito bem, é o nomeado para Secretário da Defesa dos EUA. Além disso, tendo em conta a actual posição do General Heckl e o considerável número de militares no círculo próximo de Trump, ele poderá dar-nos uma visão interessante sobre o futuro da NATO e o compromisso dos EUA com a Aliança.
A completar o lado americano deste painel está a Ministra Conselheira da minha Embaixada, Herro Mustafa. Herro trabalhou directamente com a antiga Secretária de Estado Condoleezza Rice durante a administração de George W. Bush e com o Vice-Presidente Biden durante a administração Obama. Tem feito parte da equipa da Segurança Nacional e conhece as diferentes abordagens das questões de segurança nacional pelas administrações republicanas e democratas.
Os nossos oradores têm ao seu lado líderes portugueses de igual reputação. Dou as boas-vindas ao meu amigo Paulo Portas, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Vice-Primeiro Ministro no governo anterior. E aguardo com expectativa a intervenção da antiga deputada do PSD Mónica Ferro. Vai ser com certeza uma discussão viva que ainda se tornará mais interessante com as sessões de perguntas e respostas.
Sugiro, portanto, que ouçam o que os oradores têm para dizer mas não se coíbam de questionar as suas presunções e conclusões. É essa a liberdade que temos numa sociedade democrática. Usem-na.
Muito obrigado.