No ICS da Universidade de Lisboa
Obrigado, Professor Costa Pinto, pelas suas amáveis palavras. Gostaria também de agradecer à Professora Marina Costa Lobo e a toda a gente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa por organizarem este evento. Uma palavra de agradecimento também ao Professor Luis de Sousa da Transparência Internacional e à Universidade de Aveiro. Agradeço igualmente a todos os alunos, professores e outros que tiraram tempo para aqui estar hoje. Muito obrigado a todos. É realmente uma grande honra falar com vocês sobre um assunto tão importante para todos nós – governance e transparência.
Lobbying é uma palavra do léxico político americano que reflecte um modo legal e tradicional de intersectar os governos mas que tem em si uma forte carga negativa. É muito raro alguém admitir que é lobista, por exemplo. Em vez disso, falam da actividade como “estratégia de comunicação”, em representação de interesses individuais, empresariais ou mesmo de todo um sector ou indústria junto das autoridades governamentais. No fundo, os lobistas são pagos para influenciar as entidades públicas a favor ou contra decisões sobre políticas ou aquisições.
Embora haja um grande debate quanto às origens do termo “lobbying” – desde os parlamentares britânicos “lobbying” pelos corredores da Câmara dos Comuns ou os membros do Congresso dos EUA a aguardar uma audiência com o Presidente Grant no século XIX no lobby cheio de fumo do Hotel Willard, em Washington DC, uma coisa é certa: lobbying é tão velho como o próprio governo e é uma parte intrínseca do processo político nos Estados Unidos.
Nos Estados Unidos o lobbying está formalmente reconhecido e regulamentado – protegido mesmo como parte do nosso direito constitucional para dirigir petições ao governo chamando a atenção para os problemas. Há países que não legislaram sobre esta matéria, mas o lobbying existe em todas as democracias saudáveis (e em algumas não tão saudáveis).
Considerando que muitas das decisões do governo podem ter consequências financeiras assinaláveis, a ligação dinheiro e poder pode criar as condições perfeitas para o abuso. Sabendo que muitas vezes há uma linha muito ténue entre o lobbying legal e o tráfico de influências e corrupção, nos Estados Unidos adoptámos leis que regem a forma como os grupos de interesse especiais e os seus representantes podem enviar petições às autoridades públicas em apoio das suas agendas.
Esta tensão entre os nossos prezados direitos constitucionais de liberdade de expressão e de enviar petições ao governo (e gastar dinheiro a fazê-lo) e a capacidade do governo para restringir a influência do dinheiro na política vai continuar a ser um grande desafio nos Estados Unidos, inerente ao nosso sistema político capitalista e democrático. Esta batalha está na base do ainda controverso caso “Citizens United”, uma decisão do Supremo Tribunal em 2010 que proibia o governo de limitar as despesas políticas independentes de organizações sem fins lucrativos.
“Excesso de liberdade de expressão é algo que não existe”, decidiu o Tribunal por maioria. Os críticos desta decisão apelidam-na de uma das piores decisões na história do tribunal porque legaliza as despesas políticas sem limites, potencialmente anónimas, de pessoas e empresas pondo assim em causa o nosso sistema de transparência nos donativos políticos. Estas organizações são as chamadas “Super Pacs”.
As regras de transparência, associadas à limitação das contribuições de campanha, foram concebidas de modo a resolver o potencial de corrupção ou influência subtil e impossível de verificar quando os grandes donativos para as campanhas se processam mesmo sem quaisquer acordos específicos.
Com o início da campanha para as presidenciais americanas de 2016, já se notam os efeitos do “Citizens United” em acção. Por exemplo, a comissão de acção política, conhecida como “Super Pac”, do Governador Jeb Bush está preparada para recolher até Maio $100 milhões de dólares de contribuintes abastados. Gostaria de referir que antigamente havia um limite nas contribuições individuais de $1 milhão de dólares mas já não se aplica. Este debate sobre a interligação de dinheiro e política vai estar sempre em discussão.
Todos os tipos de reforma, seja reforma do lobbying, reforma do financiamento das campanhas e os requisitos de divulgação e registo constituem um pacote de regras, regulamentos e normas de conduta ética que, nas palavras do antigo conselheiro da Casa Branca, Bob Bauer, “se destinam a (a) manter o foco de decisão nos méritos das opções de política pública em concurso e (b) garantir ao público de que é este o caso e está garantida a confiança na integridade do governo”.
Feita esta ressalva, gostaria de aproveitar a ocasião para enumerar algumas das medidas levadas a cabo pelo meu governo para uma maior responsabilização e transparência.
Por lei, quem é pago para exercer pressão sobre os decisores governamentais deve estar registado como lobista e obedecer às regras divulgando publicamente quem são os seus clientes e remuneração.
Os lobistas também têm de revelar os seus encontros com as autoridades públicas. Estas normas de transparência protegem os direitos dos grupos de interesse quando apresentam petições a elementos do governo sobre decisões políticas, mas serve também como resguardo contra conversas de bastidores sobre interesses privados em vez de públicos.
Os lobistas também têm restrições quanto ao montante das contribuições políticas directas numa campanha, mas como acabei de dizer, o caso “Citizens United” abriu uma nova avenida que dá para estenderem a sua influência.
Como candidato, o Senador Obama fez campanha contra “o papel dos lobistas corporativos na definição da agenda de Washington. Em resultado disso, impôs o que na altura foi visto como limitações draconianas sobre a participação dos lóbis na sua campanha. Não havia precedentes porque ele proibiu os lobistas de integrarem a estrutura da campanha, recusou-se a aceitar as contribuições deles e de grupos organizados de interesses especiais, embora ambos fossem legais.
No seu primeiro dia em funções, 21 de Janeiro de 2009, o Presidente Obama reafirmou o seu compromisso de governo limpo ao assinar um decreto presidencial – o Compromisso de Ética – que visa limitar ainda mais a influência que os lobistas podem ter sobre a sua Administração.
O decreto impôs restrições sem precedents na contratação de indivíduos para cargos elevados se, nos últimos dois anos, se tiverem registado como lobistas nos termos da lei e também nos contactos de lobbying que poderiam ter no regresso ao sector privado.
O Presidente também abordou especificamente a prática em que pessoas que exerceram cargos no governo ao deixar as funções são contratadas com chorudos salários para representar entidades privadas junto dos seus antigos departamentos ou agências.
O Presidente exigiu que aqueles cuja nomeação for confirmada pelo Senado para aceitar posições na sua Administração – como é o meu caso – se comprometam, através de documento legalmente válido, a não receber prendas de lobistas e não se tornar lobista ou fazer lóbi com outros funcionários do Executivo durante pelo menos dois anos após o seu serviço no governo. E aqueles que se tornarem lobistas estão proibidos de contactar os responsáveis do Executivo até ao fim dessa administração. Isto é para garantir que não há, como disse o Presidente Obama, “uma porta giratória que permite a livre entrada dos lobistas no governo e os deixa utilizar o seu tempo no serviço público como forma de promover os seus próprios interesses… quando saem.” As suas medidas eram dirigidas ao cerne da integridade por trás das decisões tomadas pelo governo.
Como já disse, não há lei nenhuma que vá eliminar o abuso de posição ou corrupção. Casos recentes nos Estados Unidos mostraram um Governador de um estado importante e um poderoso membro do Congresso acusados de aceitar indevidamente prendas de pessoas que alegadamente tentavam influenciar as suas decisões. São dois casos elucidativos:
Bob McDonnell, ex-Governador da Virginia, fez campanha sobre a transparência. Foi recentemente condenado por ter aceite 135.000 dólares em prendas, empréstimos, artigos de luxo como relógios Rolex e viagens e até uma contribuição para o casamento da filha do CEO de uma empresa que queria que o ajudassem na promoção da sua firma de suplementos ditetéticos. A mulher também foi condenada por ter recebido jóias caras. Ele foi condenado a dois anos de prisão porque não incluiu estes artigos nas suas declarações de ética.
Mas a questão é só porque aceita essas contribuições, será crime se nunca for prometido nem feito nada de oficial em troca? A questão é decidir quando há um “quid” e um “pro” definitivamente presente, o que é que basta para constituir um “quo”? Neste caso, foram agendadas reuniões e enviados estudos sobre os suplementos dietéticos que o CEO estava a vender.
O caso do antigo Presidente da Comissão de Relações Externas do Senado, Robert Menendez, que se demitiu da posição de chefia mas continua a ser senador, é ainda mais interessante.
Ele foi recentemente indiciado por corrupção por ter recebido um milhão de dólares em prendas, incluindo viagens em aviões privados, diversas viagens para uma estância de luxo na República Dominicana, viagens de golfe e estadias em hotéis de Paris, tudo de um amigo de há vinte anos que também contribuiu com 600.000 dólares para a sua campanha. Essa amizade incluia férias conjuntas das famílias e convite para os casamentos dos filhos de um e de outro.
Ao contrário do Governador McDonnell, não há dúvida de que o Senador Menendez agiu dentro do governo para ajudar o amigo, incluindo as suas namoradas (note-se o plural), na obtenção de vistos, a proteger um contrato de rastreio de carga que ele tinha na República Dominicana e interveio num litígio de facturação da Medicare no valor de milhões de dólares.
Mais uma vez Menendez não declarou as prendas e desde aí enviou o reembolso para 58.000 dólares pelas viagens em avião privado. Mas a defesa dele face às acusações é que “só estava a ajudar um amigo”. Na realidade, diz ele, a acusação não “percebe a diferença entre amizade e corrupção e optaram por transformar os meus deveres de senador e a minha amizade em algo inapropriado”.
Por um lado, estes casos mostram que a corrupção e abuso de poder são um problema nos Estados Unidos. Por outro lado, também mostram que as nossas instituições judiciais estão a fazer por responsabilizar os detentores de cargos públicos alegadamente corruptos. Veremos qual será a conclusão destes casos mas os dois são uma prova que continua a ser um desafio fazer a separação entre dinheiro e política por recurso ao direito penal.
Como devem saber, antes de ser Embaixador em Portugal, fui advogado em Boston, com especialização em investigações governamentais e corporativas, com particular destaque no que se refere à aplicação da Lei de Práticas de Corrupção. Viajei para 11 países em cinco continentes fazendo inquéritos sobre corrupção e concebendo planos de conformidade com a lei para algumas das maiores empresas do mundo. Foi nessa altura que fiquei a admirar muito o importante contributo da Transparência Internacional.
O que aprendi nas minha viagens é que a corrupção e o tráfico de influências não é um problema americano ou um problema europeu, é um problema mundial. E em muitos dos países onde trabalhei, o suborno dos funcionários públicos não apenas era esperado e aceite como era visto como um custo normal do negócio.
No meu trabalho, mesmo em países onde o suborno não é um modo de vida, vi como as condições existentes serviam para tentar alguns poderosos a abusar da sua autoridade para ganho pessoal, e testemunhei como actos desses abalam o bem estar da sociedade como um todo.
Pelas notícias recentes sabemos como Portugal luta hoje com muitos destes assuntos. Embora não baseado em pesquisa científica mas em conversas com o português comum em vários pontos do país e de todos os níveis sociais, acho que há esta percepção:
1. Que, quando deixam funções, muitos detentores de cargos públicos portugueses acumularam uma riqueza inexplicável;
2. Que as entidades públicas não estão interessadas em dar trabalho aos que melhor defendem o interesse público mas a dar esses empregos a elementos de famílias com as “ligações certas”. Isto é conhecido em Portugal como “jobs for the boys”. É uma frase que ouvi pela primeira vez duas semanas depois de cá chegar. A queixa é que Portugal não é uma meritocracia e que a capacidade para avançar no governo ou nas empresas não se baseia no mérito mas em conhecer alguém num cargo de influência. Os que não têm esses contactos, por muito inteligentes ou talentosos que sejam, não têm sorte.
3. Que há neste país uma elite de indivíduos e famílias, ricos, politicamente poderosos que, graças às suas ligações e estatuto, recebem um tratamento especial. A nível judicial, também têm tratamento especial dos tribunais e estão no fundo imunes à acusação. Ou pelo menos, estão imunes à prisão. As detenções recentes mais relevantes que saíram nos jornais e em que se fala de acusação vão mostrar se a percepção vai ou não mudar.
Quero realçar que isto são percepções da realidade local. Tenho a certeza de que toda a gente aqui tem a sua própria opinião sobre a realidade. Mas para mim a questão não é debater se são correctas mas sublinhar que, correctas ou não, as percepções são importantes.
Estas percepções passam para outros, investidores estrangeiros nomeadamente. Tenho a certeza disso porque quando falo com empresas americanas interessadas em fazer negócio em Portugal e que começaram a fazer as devidas diligências levantam este problema.
O relatório de Abril da Transparência Internacional Europe: A Playground for Special Interests Amid Lax Lobbying Rules apresenta estatísticas que não deixam dúvidas – sobre Portugal mas também sobre mais 18 países da Europa Ocidental. Segundo o relatório, que confirma o meu estudo não científico das percepções, 53% dos portugueses “acreditam que o seu governo é em grande parte ou inteiramente controlado por alguns grandes interesses”. O mesmo documento indica que 76% dos portugueses dizem que as ligações políticas são a única via para ter êxito nos negócios. É preciso que a confiança dos portugueses na honestidade do governo melhore. Também é preciso nos Estados Unidos.
Nenhum dos nossos países está no top 10 do Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional. (Nota: os EUA são o 17º em 175 e Portugal 31º em 175) Podemos e devemos fazer melhor.
A Transparência Internacional recomenda ao parlamento português que “regule as actividade de lobbying através de lei específica”. Mesmo sem isso, devo referir que Portugal não fecha os olhos ao problema da corrupção como o provam as detenções recentes. Está também a reforçar instituições como o Tribunal de Contas e o Conselho de Prevenção da Corrupção. O Conselho apoia directamente o parlamento e obriga as organizações que recebem fundos públicos a elaborar planos de gestão de risco para contrariar a corrupção.
Os media, tanto tradicionais como as redes sociais, podem também ter um papel no combate à corrupção em Portugal. Nas primeiras páginas, noticiários e internet podem dar visibilidade ao trabalho e aos esforços por parte do governo, ONGs e indivíduos nesse combate.
Para concluir, agradeço a oportunidade de me dirigir a esta audiência sobre um tópico – a interacção entre lobbying e estado de direito – de vital importância. O Direito tem sido a minha paixão e o fio condutor na minha vida profissional, particularmente agora como Embaixador.
Os Estados Unidos, tal como Portugal, é um país com lei. Apesar disso, de vez em quando falhamos. Embora no meu país haja legislação para regular o lobbying e o clientelismo politico – este esforço começou com a Lei Pendleton sobre A reforma do Serviço Público de 1883 – ainda falhamos de vez em quando. É um trabalho que continua. É por isso que não duvido que vou assistir a mais casos de tráfico de influências e corrupção durante o resto do meu mandato, tanto nos Estados Unidos como em Portugal.
Mas estou confiante que, se trabalharmos juntos nos objectivos que acho que partilhamos, podemos atacar de frente este flagelo e fazer grandes progressos. Os nossos povos – portugueses e americanos – merecem-no.
Muito obrigado.